A beleza do universo da tradução está justamente na diversidade de áreas possíveis de atuação. Por exemplo, temos a tradução editorial, a técnico-científica, a jurídica, a tradução para dublagem e legendagem, a localização de games, e outras mais. Com o tempo, é comum observar que os tradutores tendem a se especializar ao menos em uma dessas áreas, para depois, experimentar outras.

No entanto, por mais que rotulemos os campos tradutórios, a verdade é que eles se encontram com muito mais frequência do imaginamos, e é exatamente sobre isso que se trata o post de hoje.

Não importa qual área da tradução em que você atue, é inegável que existem momentos em que você empaca em certos projetos, e a resposta possa estar em outra área com a qual você não tem familiaridade. Por exemplo, isso acontece com uma certa frequência no ramo da tradução audiovisual (área em que estou mais inserido) e hoje posso dizer que, com certeza, é um dos campos tradutórios que mais realiza interseções com os demais. Dependendo da trama ou até mesmo de um personagem específico, apesar de estar lidando com a mídia audiovisual, estou lidando, na verdade, com alguma outra área da tradução, e exemplos não faltam.

Comecemos pela literatura. Há um bom tempo, traduzi um filme chamado Melanie: a última esperança (The Girl with All the Gifts). Em uma das cenas, a protagonista Melanie lê para um soldado um trechinho do clássico Alice no País das Maravilhas. Quando eu imaginei que fosse, um dia, traduzir um dos maiores clássicos infantis da história, mesmo que por alguns segundos? Apesar de se tratar de um longa-metragem, naquele momento, eu traduzi literatura. Sendo assim, já que a personagem estava lendo, a tradução precisava ficar mais próxima possível do que seria uma tradução feita por um tradutor literário. Confira abaixo o resultado dos meus esforços nessa cena. 😉

Quando vemos as narrações, por exemplo, nos clássicos da Disney, em vez de ler, estamos ouvindo o narrador lendo a história para nós. Pode pegar alguns filmes que ilustram muito bem isso como A Bela Adormecida, Branca de Neve e os sete anões e Cinderela. Mesmo tratando-se de outra mídia, é importante ter noções básicas e vivência de leitura para traduzir esses momentos da melhor forma no campo audiovisual.

A localização de games não fica de fora, pois já traduzi termos e falas de personagens que estavam jogando videogame em algumas produções. Sorte a minha que também jogo videogame na vida real, apesar de não trabalhar ativamente como localizador, mas não tem jeito, é preciso conhecer os termos apropriados e esperados da área. E o que o tradutor faz quando não sabe? Pesquisa, pesquisa e, quando a situação está muito apertada, consulta algum colega que tenha mais familiaridade com o ramo. 😉

Continuando, como se esquecer das séries médicas e jurídicas? Para quem não é familiarizado com essas áreas, traduzir uma produção com tantos jargões específicos pode ser um verdadeiro pesadelo. Eu já tive a minha dose quando fui um dos tradutores da série Lei & Ordem (Law and Order). Apanhei muito, mas a sorte é que eu tive prazos bons e me muni de todas as formas para dar o meu melhor. Tive uma amiga advogada para consultar e investi no famoso dicionário de Marcílio Moreira de Castro, o Dicionário de Direito, Economia e Contabilidade. Fiz inclusive um curso específico de tradução jurídica para me preparar para as temporadas seguintes, ou seja, dei o meu jeito para fazer o melhor trabalho possível.

Por fim, como último exemplo, temos a tradução de poesia. Tem tradutor que diz que JAMAIS traduziria poesia, mas sinto informar que, se você está na área audiovisual ou deseja ingressar nela, sua hora vai chegar. Ao longo da minha carreira, já tive que traduzir poemas em certas produções que não tinham ainda uma tradução consagrada no Brasil e também poemas inventados para as tramas das próprias produções.

Uma coisa eu posso afirmar: não é preciso ser um soneto shakespeariano pra deixar o tradutor maluquinho, quatro versos já são suficientes rs. Imagina o que é traduzir um poema, tentando preservar o máximo do significado original, mas tendo que levar as rimas em consideração e, como se não bastasse, a boca dos personagens e a velocidade com que eles pronunciam esse poema no caso da dublagem? Não é moleza, por isso, ler poesia e ter noções básicas, pelo menos de métrica e de escansão, é vital para chegar a um resultado satisfatório.

Se eu puder deixar um conselho para meus colegas e também futuros aspirantes na área é: não descarte nenhum tipo de conhecimento, pois nunca se sabe quando você precisará usá-lo. Não ache que não vai valer a pena fazer tal curso em uma área que não é a sua, pois já vimos aqui que, ao menos no audiovisual, pode acontecer de tudo, logo é imprescindível ampliar o seu conhecimento como um todo.

Não fique só na sua zona de conforto, pois você não faz ideia dos conhecimentos que uma produção possa vir a exigir e acho que, pelos exemplos dados no post de hoje, já deu pra ter uma boa noção do que estou falando, né? Invista na sua formação. Sempre. Busque a formação mais completa possível para se tornar um profissional mais versátil e capaz de lidar com os mais diversos desafios que a tradução (com certeza) vai te trazer.

Espero que tenha gostado do post de hoje e não se esqueça de deixar o seu comentário! Um grande abraço e até o próximo post! 😉

Paulo Noriega

Sou autor do blog Traduzindo a Dublagem e tradutor atuante nas áreas de dublagem e editorial. Amo poder compartilhar meu conhecimento a respeito do universo da dublagem e da tradução para dublagem. Seja bem-vindo a este fascinante universo!

2 Comentários

Jean Trindade Pereira

3 de fevereiro de 2019

Exatamente, Paulo. 🙂

Trazendo isso para a minha área (localização de games), recomendo assistir a este vídeo do Life is Strange: Before the Storm: https://www.youtube.com/watch?v=UeZjCXGWgPI

É de uma cena de teatro no jogo. Eu fiquei impressionado com a qualidade da tradução desse jogo, não só dessa cena.

Realmente, Paulo, não escapamos de situações assim no ramo audiovisual, mas isso também deixa o nosso trabalho mais interessante. 🙂

    Paulo Noriega

    9 de fevereiro de 2019

    Oi, Jean! Que bom te ver por aqui. Valeu pelo vídeo. 😉

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