Para a segunda postagem da reestreia do Traduzindo a Dublagem, trago mais uma convidada pro quarto guest post do ano! Até o momento, os guest posts foram escritos por colegas e amigos tradutores, mas estava na hora de vermos um dublador por aqui, né? Ou melhor, uma dubladora muito especial que, após muita luta, conseguiu se inserir no mercado de dublagem e veio compartilhar um pouco do seu aprendizado com a gente. Quer saber quem é a minha convidada? Então chega mais! 😉

Por ser um blog que também aborda a parte de dublagem, além da parte tradutória, nada mais natural do que eu trazer relatos que contemplem a visão dos dubladores. Solicitei essa missão para minha amiga Nica Nogueira, a garota dos olhos do meu amigo tradutor, Murillo Maldonado, que inclusive já teve um guest post que você confere clicando aqui!

Vamos às apresentações. Afinal, quem é a Nica? Ela tem 33 anos e é atriz e dubladora. Começou no teatro aos nove anos de idade e se inseriu no mercado de dublagem aos 29, em setembro de 2013. Seu primeiro papel de destaque foi Patty Spivot, namorada do Flash, na série Flash exibida no canal Warner. Ela também é a voz de Bibi Bolhas, do desenho Luna Petúnia, da Netflix. Além desses personagens e de muitos outros, Nica também dubla Alexya, do programa Acapulco Shore exibido na MTV, e Holly do desenho Toon Marty, que teve sua estreia recente no canal da Nickelodeon.

Nica Nogueira

Pedi pra minha convidada escrever uma espécie de manualzinho de sobrevivência do dublador iniciante, ou seja, um manual onde ela contasse sobre suas experiências e seus principais aprendizados nesse ramo. O resultado você confere agora, e espero que ele ajude não só aos aspirantes a dubladores, como também os que já estão dando seus primeiros passos nesse maravilhoso mundo da dublagem. Aproveite a leitura e não se esqueça de comentar, viu? Um grande abraço e até o próximo post! 😉

“Investir pra valer na dublagem foi complicado. Mesmo sendo atriz e trabalhando numa rádio por um tempo, houve um momento em que me mandaram embora por conta de redução de custos e me vi desempregada. Fiz duas entrevistas de emprego e me sabotei nas duas. Não queria passar em nenhuma delas e lá estava eu: desempregada e ainda começando a dublar…

Eu tinha acabado de me “juntar” com o meu namorido (o Murillo), e ele me deu força pra tentar a dublagem de verdade. Resolvi bancar a maluca, apesar das novas contas da nossa casa pra pagar, e investir seriamente no ramo.

Fui fazendo amigos, conhecendo gente e sendo levada a outros lugares. Sim, porque um dublador iniciante tem que percorrer as casas de dublagem e oferecer seu serviço. A questão é que sou péssima no marketing pessoal e morro de medo de ficar enchendo o saco e pedindo pra todo mundo me ouvir. Sei que devo fazer isso, mas não gosto. Faço isso pouquíssimas vezes e só quando encontro um momento favorável. Tenho plena noção de que, desse modo, demoro mais a crescer, mas prefiro assim. Tenho meu próprio tempo, assim como cada um tem o seu.

E falando em tempo, você já deve estar pensando: “Tá, Nica, mas afinal, o que um dublador iniciante deve fazer?”. Então vamos lá pro nosso curso rápido baseado nos meus pouco mais de três anos de experiência! 😉

1) Faça um curso de dublagem

Existem vários cursos e workshops ótimos por aí, é só pesquisar. Se o professor for diretor ou for do tipo que indica os alunos para os amigos diretores, melhor ainda, porque na dublagem é preciso treinar. Se você faz um curso agora e vai buscar oportunidades só daqui a um tempão, pode chegar lá e descobrir que não se lembra mais como se faz.

2) Tenha um registro de ator profissional

Deixei pra tirar o meu só quando completei meu primeiro curso porque… sou uma toupeira. Se eu tivesse terminado o curso com o registro, eu poderia ter começado a tentar dublar imediatamente. Como eu nunca quis ser atriz profissional, nunca me preocupei com o registro e só fui atrás dele porque gostei de dublar.

Pra obter o registro, você tem que fazer uma faculdade de teatro ou um curso profissionalizante. Acho que existem cursos de seis meses a um ano. Não tenho certeza, já que consegui meu registro levando 20 anos de trabalhos num envelope! Quando juntei os panfletos, recortes de jornal, declarações de antigos diretores, etc, minhas costas até doeram quando vi que já tinha 20 anos de carreira rs.

3) Procure os estúdios e se apresente

Coisa que já disse que sou péssima em fazer. Uma vez, eu estava num estúdio com o meu professor e um outro diretor conversou comigo e me chamou para me ouvir. Isso foi bem no início e… eu fui péssima. Ele foi muito gentil e, de uma forma muito educada, me disse que eu não estava pronta e pediu que eu voltasse quando estivesse preparada. Daquele dia em diante, decidi que só procuraria outros estúdios quando estivesse mais treinada.

4) Comporte-se

Nada de ficar atrapalhando, nem contando vantagem e sendo inconveniente. Você chegou agora e tem que entender os limites. Você precisa saber chegar, saber se apresentar e ser gentil e agradável. O talento na dublagem é essencial, mas o que define se você vai mesmo conseguir mostrar seu talento, é o seu comportamento. Lembre-se que ninguém é obrigado a te chamar, ninguém é obrigado a te ouvir e nem obrigado a te dar uma segunda chance, se você for mal na primeira.

A dublagem é uma grande família com todas as vantagens e desvantagens que vêm no pacote. Se você for bem, pode ser indicado, pode conhecer mais pessoas e cair nas graças delas. Se você destratar alguém, for irritante ou arrumar uma quizumba, todo mundo vai ficar sabendo e isso pode complicar a sua vida.

5) Acalme-se

Dá um jeito! Reza, medita, faz qualquer coisa pra conseguir mostrar o que você tem a oferecer. Seu nervosismo pode destruir boas oportunidades. Os diretores sabem que isso acontece, então se eles sabem que você está começando, podem te dar outras chances. Por isso o comportamento é tão importante. Se eles forem com a sua cara, vão deixar você voltar e, se você for chato, fecham as portas.

Ah, e se alguém já te ouviu, não fique pedindo pra ouvir de novo pela décima vez. Podem tachar você de chato. Se ele te ouviu e não te chamou, é porque não gostou do seu trabalho ou não teve oportunidade. Vale mais a pena se fazer lembrar de outras formas.

Sempre cumprimente e converse. Se o diretor te vir, se lembrará que você existe e, se tiver gostado, vai te chamar pra trabalhar assim que der. Se não tiver gostado do trabalho, mas gostou de você, talvez te chame pra te ouvir de novo. Dá pra interagir até pela internet atualmente, mas não sai curtindo tudo que a pessoa posta pra não pegar mal, tá? Curta e comente o que você realmente achar relevante, o que você curtiria e comentaria, caso fosse qualquer outra pessoa. 😉

6) Cuide do seu instrumento de trabalho: sua voz

Quando estou num palco, eu posso andar e me mexer como quiser dentro do que o diretor estipula, claro, mas a interpretação é minha. Quando tem um microfone, os movimentos têm que ser mais modestos, já que qualquer coisa faz barulho e o foco está na voz, e não nas caretas que estou acostumada a fazer pra descontrair o público.

Não vou nem falar de moderar nas bebidas geladas e tal porque não tenho cacife pra isso, e um profissional de fono pode te dizer o que fazer. Minha intenção é outra: não adianta ser um ator incrível, conseguir entender a cena e colocar sua emoção, se você não conseguir dizer frases que tenham palavras complicadas em tempos surreais, tipo “Os desfibriladores estão prontos!”. Ler em voz alta e fazer trava-línguas podem te ajudar muito, inclusive!

Treinar várias vozes também pode ser útil. Pegue um livro ou gibi e leia alto fazendo vozes diferentes pra cada personagem. Você pode se surpreender com o seu alcance vocal. Pessoas que conseguem dublar “do feto ao cadáver” são muito bem-vindas, afinal, quanto mais versatilidade, mais trabalho. Ah, e vozes caricatas também são ótimas, especialmente para os desenhos!

7) Ouça as dicas e, sempre que deixarem, veja um dublador mais experiente dublando

O diretor e o operador de áudio estão ali por um motivo. Se algum deles te diz que você errou, escute e confie. Se mandarem refazer, refaça. Se você consegue entender o que eles querem, a vida fica muito mais fácil. Deixe-se dirigir, especialmente no começo da carreira, mas seja dirigível sempre! Além disso, se possível, veja um dublador mais experiente dublando. É impressionante como isso nos acalma, nos prepara e nos ensina.

8) Persista e seja paciente

Ser dublador é um exercício de paciência porque o caminho é longo. Se você for do tipo de pessoa que quer tudo pra ontem, pode não se dar muito bem. É preciso tempo livre pra ir de estúdio em estúdio e conhecer as pessoas. É preciso saber que o dinheiro não é certo e que um mês pode ser muito bom e o outro muito ruim.

Você pode até ter nascido com o bumbum virado pra lua, conseguir alguém que te apadrinhe e até conseguir um papel de destaque. Entretanto, no geral, você vai começar penando e vai gastar um bom tempo conseguindo a confiança dos profissionais do meio. Além disso, vai ter que desenvolver a técnica e começar de baixo, e só depois conseguir papeis melhores.

9) Seja pontual

Parece meio óbvio, mas muitos não são pontuais. As casas de dublagem têm esquemas de horário muito rígidos e, cada vez mais, os clientes querem tudo pra ontem. Os diretores separam horários específicos para cada dublador e, quando um se atrasa, atrapalha o esquema todo. Não podemos esquecer que os dubladores trabalham em várias casas e, por isso, criam seus próprios cronogramas. Se ele se atrasar num estúdio, pode atrasar seus horários nos outros onde vai trabalhar no mesmo dia.

Você não quer ser o responsável por uma bola de neve de atrasos em vários estúdios, né? Calcule sua chegada, pelo menos, meia hora antes pra você ter uma margem. Caso precise faltar, avise com antecedência para que o estúdio tenha tempo de te substituir ou mudar seu horário pra outro dia. É claro que imprevistos acontecem, mas se você for conhecido pela pontualidade, fica mais fácil ser perdoado por algum imprevisto.

10) Seja humilde

Parece que não, mas dublar é coisa de maluco! Você fica em pé (ou sentado), de frente pra uma bancada onde se encontra o texto (já traduzido e adaptado para o português), com um fone no ouvido, um microfone na sua cara e uma televisão à sua frente. Você assiste ao filme na TV, entende o que está acontecendo, percebe a interpretação do ator que você vai dublar, a respiração dele, as entonações, a emoção, tudo. Se quiser, marca o texto pra saber onde estão as pausas de respiração e tudo o mais, ensaia e grava.

Você não está lá pra se exibir, e sim pra refazer algo que já foi feito. O ator já fez a cena, se você fizer menos ou mais do que ele, vai ficar ruim. Isso sem falar que, enquanto você está dizendo o texto que está escrito na sua frente, você está ouvindo alguém falando numa outra língua no seu ouvido. Pode ser inglês ou espanhol, que são mais corriqueiras pra nós, brasileiros, mas também pode ser russo, árabe ou qualquer outro idioma!

Você tem que conseguir encaixar o texto escrito no papel na boca de outra pessoa que está falando uma língua estranha e sem perder o tempo dela e a interpretação. Isso fora que só entregam o texto pra gente na hora da gravação! Loucura total, né? E é por isso que a humildade é tão necessária. Quem está começando tem que chegar tranquilo, sabendo que o serviço é insano, e que qualquer dica que alguém da área nos dê é muito importante.

Meu primeiro professor dizia que dublar é como dirigir um carro. Quando você começa, parece impossível, mas, com o tempo, tudo fica mais simples e muita coisa entra no automático. Depois de um certo tempo de experiência, o dublador consegue ir tão bem que consegue passar melhor pra nós a intenção do ator do que o próprio ator. Afinal, o “canto”da fala muda de idioma pra idioma. Quando o dublador entende a emoção de um ator estrangeiro e consegue traduzir aquela emoção pro português, o tom da fala muda e fica mais próximo. Mas não se engane, isso leva tempo e não é fácil como parece.

Começamos fazendo vozerios (aquele burburinho de restaurantes, cafeterias, etc…) e as dobras com nomes engraçados: mulher de vestido vermelho, soldado 34, garçonete, etc. Depois começamos a pegar umas dobrinhas um pouco melhores, personagens secundários e só depois os protagonistas. Dependendo do talento, da perseverança e da sorte, os melhores personagens chegam mais cedo ou mais tarde. Como existem muitos estúdios e nem sempre conseguimos visitar todos, você pode ser considerado um ótimo dublador nos estúdios A e B, e os diretores dos estúdios C e D nunca ouviram falar de você.

Enfim, tem sido uma bela jornada, e se você me perguntar se sinto falta do dinheiro certo no fim do mês, eu respondo “Sim, sinto falta. Quem não gosta de estabilidade, né?”. Mas se me perguntar se eu me arrependo de ter me arriscado e estar sem essas vantagens agora, eu respondo: “De jeito nenhum!”

Já consegui algumas grandes vitórias e tenho personagens bacanas no currículo, além de vários menores que já me ensinaram muito. Muitas vezes ganho num mês o mesmo ou até mais do que ganhava antes, trabalhando menos horas e me divertindo muito mais. Se continuar me lapidando, aprendendo e crescendo, posso chegar muito mais longe.

A ideia é nunca parar de aprender e nunca achar que já estou pronta. A gente sempre pode melhorar, e é isso que eu quero fazer. Muito obrigada a todos que já me ajudaram e ajudam, e boa sorte a quem quiser se juntar a mim nessa vida insana, mas muito gostosa!”

Paulo Noriega

Sou autor do blog Traduzindo a Dublagem e tradutor atuante nas áreas de dublagem e editorial. Amo poder compartilhar meu conhecimento a respeito do universo da dublagem e da tradução para dublagem. Seja bem-vindo a este fascinante universo!

6 Comentários

Márcia Alves

20 de maio de 2017

Ahhhhhhhhhhhh, que dicas preciosas. E quanta generosidade da linda da Nica em dividir isso com a gente. ❤

    Paulo Noriega

    21 de maio de 2017

    Que bom que gostou, Márcia! =) Foi um prazer ter feito essa parceria com a Nica e ainda teremos muitas outras parcerias e relatos aqui no blog. Beijo!

Daniel R. da Silva Junior

20 de maio de 2017

Muito legal o blog. Conheci a Verônica em um curso que fiz de monitoria de museu e o talento dela como atriz é incrível! Como dubladora tenho certeza que ela dentro de pouco tempo está emprestando sua voz para grandes personagens. Sucesso p/ criador, que eu não conhecia e achei muito legal e p/ Nica nessa carreira insana, rsrs.

    Paulo Noriega

    21 de maio de 2017

    Que bom que gostou do blog, Daniel (e do post também, óbvio!). Muito obrigado pelas suas palavras! 😉

Viviane Andrade

2 de junho de 2017

A gente costuma ver entrevistas dos que já são consagrados. Ver uma pessoa nova no mercado é muito bom, porque encoraja e ensina a quem quer começar. Parabéns pela ótima ideia!

    Paulo Noriega

    2 de junho de 2017

    Sim, Viviane! A ideia foi justamente essa. Aqui no blog todos têm voz – iniciantes e veteranos. Todos têm algo a dizer, não é verdade? Que bom que gostou do post da Nica e haverá outros no futuro de outros amigos também, tanto veteranos quanto iniciantes, falando sobre os mais diversos assuntos.

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