Achou que o Traduzindo a Dublagem tivesse fechado as portas, né? Pois bem, não foi dessa vez (e espero que não seja nunca)! Após um período bastante atribulado, o blog volta às suas atividades normais e em grande estilo. Nesta reta final do mês de junho, justo quando na semana que vem se comemora o dia do dublador, trago mais um guest post pra você. Ficou curioso? Então vem com a gente. 😉

Para o guest post da vez, convidei a querida dubladora de São Paulo, Mariana Mirabetti! Ela começou a vida acadêmica cursando Jornalismo, mas não chegou a concluir a faculdade. Ingressou no curso de Design de Multimídia, se formou, mas trabalhou por pouco tempo na área, pois desde os seus 12 anos, já sabia que o seu amor verdadeiro era a Dublagem. Aos 27 anos, formou-se atriz e decidiu se especializar como dubladora.

Hoje, aos 36 anos (37 em julho!) e com 4 anos e meio na carreira, ela se sente trilhando o caminho de sua tão sonhada realização profissional, que começou com uma grande admiração e respeito pelos profissionais da área. Mesmo novata e tendo muito a aprender, Mariana teve a oportunidade de fazer cursos com Marli Bortoletto, Hermes Baroli e Felipe Grinnan, que lhe deram uma excelente base para começar a trabalhar com mais confiança. Atualmente vocês podem ouvir a voz da Mariana nas personagens Abigail, da série Zoo e Emori, da série The 100.

Mariana Mirabetti

“Reforma de casa, disputa de quem faz o melhor bolo, mudança de visual, escolha de vestido de casamento, mecânicos recuperando carros … Quando ligamos a televisão percebemos que praticamente qualquer assunto tem potencial para se tornar um reality show, não é? Nos últimos anos (começando por volta de 2009), houve um “boom” desse tipo de programa na TV brasileira, especialmente nos canais pagos e, consequentemente, o aumento dessas produções que chegaram ao Brasil para serem dubladas.

Essa nova demanda abriu espaço para novos dubladores conseguirem suas primeiras oportunidades de trabalho, e aqueles que já estavam no mercado puderam contar com novos produtos em seus portfólios. A inserção de novas vozes veio acompanhada de um estilo de dublagem até então não muito comum, porque os personagens em realities não são personagens de fato, são pessoas reais. Isso sem falar que o texto dito vem das falas naturais, do impulso, do improviso, não de um roteiro.

Assim sendo, tornou-se necessário que o trabalho fosse realizado de forma que não parecesse que os dubladores estivessem “interpretando um papel” como faziam até então nos demais gêneros como filmes, séries e novelas, mas sim captando e reproduzindo em português – da maneira mais solta e natural possível – os sentimentos presentes nas falas de pessoas comuns. Parece algo simples, mas não necessariamente é, eu garanto!

E quando começou a explosão dos milhares de “MasterChef”?

Já prestou atenção em quantas vezes você foi interrompido(a) enquanto conversava com seus amigos? Ou quantas vezes se esqueceu de como se diz determinada palavra? E, até mesmo, quantas vezes já gaguejou enquanto formulava um pensamento? O reality show é isso e muito mais: pessoas falando umas por cima das outras, linguagem coloquial, pensamentos interrompidos, ou seja, situações bem diferentes, tanto para os dubladores quanto para os tradutores do segmento de dublagem.

Eu dublo em São Paulo e comecei a investir fortemente na profissão no início de 2014, quando decidi abrir mão de um emprego fixo em uma empresa para me dedicar exclusivamente à dublagem. Bem antes disso, em 2004, fiz meu primeiro curso livre na área. Em 2009, me formei como atriz pelo Senac-SP e, no mesmo ano, fiz uma especialização em dublagem para me sentir mais segura e ir atrás das primeiras oportunidades. Esse foi justamente o período de tempo em que os reality shows começaram a chegar ao Brasil.

Entretanto, como de início não tive a oportunidade de me familiarizar com esse tipo de produto enquanto abordava os estúdios, minhas primeiras experiências com realities foram muito marcantes (não necessariamente de um jeito bom!) e também muito enriquecedoras. O mais engraçado é que são justamente os reality shows que me trouxeram as primeiras chances de começar a trabalhar e, em pouco tempo, tive algumas oportunidades realizando papéis protagonistas. Pegar ou Largar com Stacy London, Guerra dos Cupcakes, Meu Casamento dos Sonhos, 60 dias na Prisão, Revenge Body com Khloe Kardashian, O Sócio, Miami Ink… Você certamente já me ouviu em algumas dessas produções. 😉

Um dos papéis que a Mariana mais gostou de dublar: Stephany, de Revenge Body

Com o tempo e a experiência, claro, as coisas começaram a fluir melhor e acredito plenamente que dublar pessoas, e não personagens, impactou positivamente no aperfeiçoamento da minha interpretação. Isso porque o texto “solto” dos realities nos faz investir em improvisos e nuances de interpretação mais naturais que podem ser perfeitamente utilizadas nos demais tipos de produção (e que, na minha opinião, eleva bastante a qualidade do produto dublado). Sem mencionar a atenção que precisamos ter, porque muitas vezes nos vemos em uma cena com várias pessoas falando ao mesmo tempo e em volumes diferentes também.

Tá, mas o que tudo isso tem a ver com a tradução para dublagem de reality shows? Eu explico: tem tudo a ver! Os textos traduzidos, em conjunto com a direção de dublagem, são a base para que a magia aconteça. Texto claro, sem erros de português, com todas as falas traduzidas, com os nomes próprios escritos corretamente e com um linguajar adequado e o mais adaptado possível ao jeito de falar dos brasileiros são alguns dos itens mais importantes quando avaliamos uma tradução nesse segmento.

Acho importante pontuar algumas questões. A primeira tem a ver com prazos, porque com a grande demanda de programas que chegam semanalmente aos estúdios para serem dublados, o prazo que os tradutores têm para entregar o roteiro traduzido, em geral, é bem apertado. Outra questão tem a ver com o repertório de cada tradutor. Como mencionei no começo do post, os reality shows se tratam, em grande maioria, de situações e assuntos corriqueiros, que não requerem um vocabulário tão rebuscado.

No entanto, é preciso ter conhecimento de gírias e expressões para que a versão brasileira consiga fazer jus ao idioma de partida. É preciso tudo isso mantendo a conotação e o sentido originais. Quando se trata de um reality de um assunto específico (como algum que tenha muitos termos médicos), é importante o tradutor saber da importância de realizar uma pesquisa cuidadosa para encontrar os melhores termos.

Tratando-se de reality shows, é sempre uma corrida contra o tempo para todos, pois os prazos costumam ser bem apertados

Claro que, no estúdio, existe uma conversa entre diretor e dublador para fazer ajustes e adaptações necessárias ao texto, mas quanto mais a tradução for pensada e feita levando em conta a dublagem propriamente dita, mais o texto fica coeso e natural. Vou dar um exemplo de algo que aconteceu comigo. Eu estava dublando um reality em que uma garota foi escolhida para fazer uma transformação no visual. Ela estava muito feliz e animada, falando “Ai meu Deus, vou morrer!” o tempo todo porque as pessoas que cuidariam do cabelo e das unhas dela eram profissionais que ela admirava muito.

Em um certo momento, ela diz (em inglês): “quando soube que ela faria minhas unhas, achei que seria algo incrível”. Não haveria problema em deixar a tradução dessa forma, mas por todo o contexto coloquial dos depoimentos anteriores, meu diretor e eu optamos por trocar essa parte por algo mais “descolado”, que talvez pudesse causar uma identificação do público. Sugeri que ela dissesse “quando soube que ela faria minhas unhas, foi babado, confusão e gritaria” e, na hora, o diretor gostou e aprovou!

Essa expressão estava sendo muito usada na época, tinha tudo a ver com o perfil do elenco e das pessoas que assistem ao reality, então uma adaptação nesse sentido é sempre bem-vinda. Reforço, claro, que minha opinião é de que o texto não deve perder o sentido original, pois o trabalho do dublador não é tentar “apagar” o que foi criado, mas sim adaptá-lo da melhor forma possível. Por isso, quanto mais o tradutor conhecer expressões, gírias e outros elementos linguísticos que façam parte da atmosfera da produção que está sendo traduzida, maiores são as possibilidades de termos uma ótima versão brasileira.

Mariana dubla a personagem Abigail, da série Zoo

Entretanto, é justamente esse aspecto que, às vezes, deixa a desejar, infelizmente, no trabalho de tradução de algumas produções exibidas no Brasil. Não falo apenas dos realities, mas acredito que essa discussão deva ir além e deva ser discutida para pensarmos mais sobre o assunto. Além de um bom trabalho desempenhado pelos dubladores, é imprescindível que aquilo que é dito na dublagem tenha total conexão e faça sentido para quem irá consumir o produto. Isso faz crescer não somente a empatia pelo programa, mas dá o reconhecimento à dedicação de tantos profissionais (tradutores, dubladores, diretores, técnicos, mixadores e todos os demais envolvidos) que se empenham para manter a qualidade da dublagem brasileira, que continua reconhecida em todo o mundo.”

Paulo Noriega

Sou autor do blog Traduzindo a Dublagem e tradutor atuante nas áreas de dublagem e editorial. Amo poder compartilhar meu conhecimento a respeito do universo da dublagem e da tradução para dublagem. Seja bem-vindo a este fascinante universo!

2 Comentários

Viviane

23 de junho de 2018

É muito enriquecedor ouvir um dublador. Recebemos uma perspectiva diferente do trabalho de tradução para dublagem. E este contraste entre realities e filmes foi uma surpresa bem agradável. Faz a gente pensar. Sucesso pra Mariana!

    Paulo Noriega

    26 de junho de 2018

    Que bom que gostou, Viviane!! Fico feliz. =)

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