O décimo guest post do Traduzindo a Dublagem demorou, mas chegou. E chegou com tudo porque foi fruto de uma parceria muito bacana com um amigo querido e colega de ofício que atuou durante um bom tempo internamente em um dos principais estúdios de dublagem de São Paulo e hoje já está atuando também como tradutor freelancer da área de dublagem. Ele veio compartilhar toda a experiência dele nesse tempo como interno, e é óbvio que você não pode perder, né?  😉

Sem mais delongas, vamos às apresentações: meu convidado da vez é Hugo Medeiros, tradutor para dublagem e intérprete de conferências. Ele é tradutor freelancer há cinco anos e intérprete de conferências há dois. É Bacharel em Tradução e Interpretação pela Universidade São Judas Tadeu, onde se formou em 2015.

Desde maio de 2017 até janeiro de 2018, atuou como tradutor interno na Centauro Comunicaciones Brasil, estúdio de dublagem onde assinou a tradução de séries como Polícia ao Vivo, da A&E, e documentários como Sobrevivendo Abaixo de Zero, do History Channel.

Convidei o Hugo para falar um pouco do funcionamento de uma equipe interna de tradução para dublagem, algo muito raro no panorama atual da dublagem brasileira, já que boa parte dos estúdios, desde a época da Herbert Richers, não trabalham mais com tradutores internos.  Aproveite mais esse relato incrível aqui no Traduzindo a Dublagem e não se esqueça de deixar o seu comentário. Um grande abraço e até o próximo post!

Hugo Medeiros

“O engraçado de toda a história é que eu não planejava trabalhar com dublagem como faço hoje. Não por não achar interessante, mas por achar que não seria uma área em que eu teria muito a oferecer, especialmente por ainda não ter feito um curso específico para esse segmento. O único serviço que, até então, eu prestava e que tangenciava a área era a legendagem.

No entanto, foi com o convite de uma colega tradutora e amiga querida, Larissa Franco, que tudo mudou. Eu e ela havíamos trabalhado juntos como intérpretes e, algum tempo após o evento, ela comentou que o estúdio de dublagem para o qual ela trabalhava precisava de tradutores in house. Na época, sem experiência nenhuma com o mundo da dublagem ou qualquer qualificação que me permitisse sequer pensar em me arriscar (eu havia tido apenas uma matéria semestral sobre tradução para dublagem durante a graduação), eu recusei a oferta e, como diz a sabedoria popular na internet, pensei: “segue o baile”.

Como alguém que se habituou a trabalhar em casa e havia feito do pijama seu dress code, a ideia de voltar a ser interno era uma coisa que não parecia muito vantajosa até mesmo em termos financeiros, mas a ideia de trabalhar com dublagem ficou comigo. Por quê? Os trabalhos que fiz relacionados ao mundo do entretenimento haviam sido alguns dos mais divertidos que eu já havia feito e a possibilidade de trabalhar com eles em tempo integral e rentável me animou bastante. Foi aí que, após uma série de experiências profissionais e mil reflexões geradas por conversas com colegas, decidi que estudaria e me arriscaria nessa área.

Acontece que, por formação, sou tradutor e intérprete, mas meu foco, até então, havia sido a especialização em interpretação (simultânea e consecutiva) e que, portanto, eu começaria do zero na dublagem. Foi aí que, depois de conversar com aquela mesma colega, a Larissa, ela me explicou que o objetivo da Centauro era, na verdade, contratar tradutores SEM experiência prévia com tradução para dublagem. Ficou coçando a cabeça? Pois é. Na época, eu também fiquei, mas segura as pontas aí, que isso vai fazer sentido em breve.

E assim começou a jornada de Hugo nas terras da dublagem.

A Centauro como empresa

Para prosseguirmos, preciso explicar o que é a Centauro e o que motivou a criação de um departamento de tradução, coisa que não se vê no Brasil há uns bons anos.

Atualmente, a Centauro é a única empresa de dublagem na América Latina e uma das poucas no mundo que possui uma equipe interna de tradutores, além de seu cadastro de tradutores freelancers. Liderada por Nelson Forçan, que tem formação em Cinema pela FAAP e possui anos de experiência no estúdio BKS, o departamento de tradução conta com tradutores qualificados e experientes dos mais variados backgrounds acadêmicos possíveis. São profissionais que têm desde formação específica em Letras e em Tradução até mestres em História e pós-graduandos em Psicologia.

Esse fato possibilita interações extremamente produtivas, pois, por meio do contato direto com profissionais de outras áreas, é possível garantir que documentários, séries ou filmes tenham um conteúdo sempre de alta qualidade e possam ser produzidos em menos tempo de acordo com o assunto tratado.

Além da tradução, a revisão, por exemplo, é sempre feita por alguém da equipe que tenha mais familiaridade com a série ou com o tema da série e nunca por alguém de fora. Fora isso, outra vantagem de ter uma equipe interna é que, se houve uma menção a alguma coisa de cutelaria e eu sei que alguém da equipe sabe mais de cutelaria do que eu, posso tirar uma dúvida de terminologia diretamente com meu colega, além de consultar glossários e realizar pesquisas costumeiras.

A Criação do Departamento de Tradução

Bom, lembram-se que eu disse que a Centauro procurava pessoas que NÃO tivessem experiência com tradução para dublagem? Pois é. Há um motivo forte para isso. Até meados de 2016, a Centauro trabalhava exclusivamente com tradutores freelancers, como é prática comum no mercado de dublagem.

No entanto, devido ao grande número de erros na tradução que resultavam em regravações no estúdio e, consequentemente, um custo operacional maior para a empresa, Antônio Figueiredo, diretor-geral da Centauro Comunicaciones Brasil, Javier Gagliano, gerente de produção da filial brasileira, e Nelson Forçan se juntaram para criar um departamento interno que contornasse os problemas técnicos que haviam se tornado frequentes.

Vejam bem, os tradutores que passaram a ser mais comuns no mercado eram pessoas que já não tinham mais contato direto com os estúdios ou com os processos internos de dublagem, algo comum na época da Herbert Richers que contava com sua equipe interna de tradutores. Essa falta de contato direto com o processo de dublagem gera vícios de tradução que aumentavam o risco de gravações erradas por alguma ambiguidade no script, por exemplo.

Por conta disso, o objetivo do novo departamento era ousado, mas claro: a Centauro contrataria tradutores que NÃO tivessem experiência com tradução para dublagem e os ensinaria tudo do zero para que não criassem esses vícios e produzissem um trabalho mais próximo do modus operandi da empresa.

As vantagens de uma equipe interna

Um ano depois, o resultado é bem claro. Os custos com regravações diminuíram drasticamente, a qualidade aumentou e a interação entre o estúdio e a equipe interna garante que o produto final possa ser acompanhado de perto EM TODAS as fases até a entrega final. Os diretores do estúdio, por sua vez, gostaram muito disso, pois os textos melhoraram bastante e o trabalho ficou muito mais fluído do que antes.

Como toda proposta que vai contra a maré do mercado, o preço a se pagar é que leva-se algum tempo para que o padrão esperado se estabilize. Depois de algum tempo (bem curto, por sinal), no entanto, a equipe já se encontrava muito mais afinada no que dizia respeito à noção da oralidade e da linguagem típica de certas personagens, ao sincronismo labial, às reações bem posicionadas, à clareza do texto como um todo e à terminologia, no caso de um produto mais técnico. Em contrapartida, também houve casos em que eu ou colegas de equipe fomos parados por algum(a) diretor(a), porque estes(as) haviam percebido que “o texto era difícil de ser adaptado e que as soluções encontradas foram muito bacanas.”

A jornada até agora

Eu, por outro lado, como diria o ditado, “peguei o bonde andando”, quando a equipe já tinha quase 10 meses de existência e quis tomar todo o cuidado possível para não presumir nada e aprender o máximo possível.

Comecei bem devagar, traduzindo séries com menor duração, conteúdo menos complexo, com prazos de entrega maiores e sempre com a revisão de um colega mais experiente, que, após revisar minha tradução, me forneceria um feedback detalhado sobre o que precisaria de mais atenção, quais erros eram frequentes e o que ficou bom. A cultura de feedback sempre foi forte na equipe, mas é ainda mais reforçada no caso dos membros novos para que aprendam e se habituem aos procedimentos internos.

Concluído cada projeto, veio a parte que eu, pessoalmente, mais gosto: acompanhar as gravações em estúdio. Por conta do fluxo de trabalho, era difícil acompanhar as gravações com frequência, mas, sempre que possível, íamos ao estúdio com o objetivo de ter contato direto com a realidade da dublagem, fosse uma tradução minha ou não. Essa é uma prática MUITO valorizada e incentivada por lá, sempre que há tempo livre, pois, em teoria, possibilita à equipe de tradução um contato mais pessoal com o trabalho traduzido por eles em formato audiovisual, além de um contato com os(as) diretores(as), que podem dar um feedback sobre as traduções.

Viva a cultura do feedback!

Fora isso, outra coisa bacana nessa prática, em termos de aprendizado, é ter a oportunidade de conhecer o estilo de cada diretor(a) e exercitar a própria autocrítica. “Nossa, essa fala não se encaixou tão bem na boca do personagem quanto eu imaginava”, “Nossa, essa fala parecia menos formal no texto” e “Essa piada poderia ter sido melhor adaptada aqui” são alguns dos pensamentos que se passam na nossa cabeça quando a gente acompanha alguma gravação.

Depois de algum tempo, passei a traduzir séries mais longas, com conteúdo mais complexo e tempo mais curto, mas sempre com revisão e feedback de um colega mais experiente. Depois de bastante prática, feedback e conversas com diretores sobre os trabalhos feitos por mim, chegou o dia da minha “formatura”. Em outras palavras, chegou o dia em que eu faria a tradução de um longa-metragem (que não é necessariamente mais complicado, mas que gera aquela pressão). Imagine só? Pareceu que alguém tinha cortado a minha trancinha tosca de padawan e que eu havia me tornado Cavaleiro Jedi.

É claro que, mesmo depois de tudo o que aprendi na prática, ainda pretendo fazer quantos cursos puder e esta é, atualmente, uma meta minha. O que quero dizer é que, com a tutoria que recebi e o valioso trabalho feito por uma equipe in house, aprendi técnicas, absorvi práticas saudáveis de trabalho e desenvolvi um ritmo de produção que não imaginava ser possível para alguém que começou com quase zero familiaridade com a área. É claro que cada estúdio tem uma realidade diferente e que ainda tenho um longo caminho pela frente, mas creio que isso prove que são as ideias mais ousadas que, de fato, geram bons resultados.”

Paulo Noriega

Sou autor do blog Traduzindo a Dublagem e tradutor atuante nas áreas de dublagem e editorial. Amo poder compartilhar meu conhecimento a respeito do universo da dublagem e da tradução para dublagem. Seja bem-vindo a este fascinante universo!

2 Comentários

Elaine

22 de junho de 2018

Curti muito! Parabéns! Sou tradutora para dublagem iniciante, ainda não tive nenhum trabalho, além dos testes do curso que realizei. Não vejo a hora de ter uma oportunidade como esta, obrigada por compartilhar e parabéns, Hugo Medeiros!

    Paulo Noriega

    26 de junho de 2018

    =)))

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