Eeeeee ainda no embalo do post anterior, voltamos com a nossa série de entrevistas, e desta vez, com um dos grandes mestres da nossa versão brasileira: Orlando Drummond!
Grande ator e dublador, Orlando Drummond é, sem dúvida, um dos principais veteranos da dublagem brasileira. Entre seus trabalhos como ator, é muito provável que o personagem Seu Piru seja o mais conhecido pelo grande público. Já no mundo da dublagem, emprestou sua voz para inúmeros personagens como o cachorro Scooby Doo, o E.T Alf da série Alf, o Eteimoso, o gato guerreiro do desenho He-Man, o marinheiro Popeye, o vilão Vingador de Caverna do Dragão e muitos outros personagens memoráveis.
Apenas para recapitular, no ano de 2013, tal como disse no post passado da entrevista com o dublador e diretor José Santana, eu estava escrevendo minha monografia para a matéria Estudos Da Tradução durante o meu bacharelado na PUC-RIO, que tinha como objetivo explorar as primeiras décadas da dublagem brasileira. Além disso, a mérito de ilustração, optei por analisar a dublagem de Branca de Neve e os sete anões, primeiro filme dublado em nosso país.
Entrevistar Drummond foi vital para o meu trabalho, não apenas pelo seu vasto conhecimento na área da dublagem, como também, apesar de muitos não saberem, foi o responsável por dublar o anão Atchim na redublagem do longa realizada em 64 (versão que se mantém até hoje). Nossa entrevista aconteceu em sua casa, onde ele me recebeu com uma hospitalidade sem igual e se propôs a responder a todas as perguntas com um grande entusiasmo e sorriso no rosto. Mais uma vez, deixo aqui o meu muito obrigado a um dos nossos dubladores mais memoráveis.
Até o próximo post! 😉
Paulo Noriega: “Drummond, o que você poderia dizer sobre a dublagem no Brasil na década de 30 a 60? Seja pelo o que o senhor conseguiu dublar nesse tempo ou até por informações de outros amigos. Quais eram as principais dificuldades, o processo… quais seriam as principais diferenças que tinham antigamente e hoje em dia não se tem mais?”
Orlando Drummond: “Antigamente era uma praga contra o ator, contra o dublador, porque a gente escalava um filme e o cara tinha que chegar lá às 9 horas da manhã, o elenco inteiro, vinte, trinta pessoas. Eles entravam no estúdio à espera da sua fala e às vezes o sujeito só ia entrar três, quatro horas depois, mas tinha que estar lá. E não pagava muito não, aí muita gente desistiu. Mas depois eu me habilitei e depois me tornei diretor em 1960, e então junto com o Milton Rangel, que era bem conhecido na dublagem e era da rádio nacional, nós dois pegamos para dirigir e planejamos uma forma de acabar com aquela escravidão! Poxa, ficar no estúdio seis, sete horas pra fazer uma falinha… isso era ridículo. Então, me baseando nos meus conhecimentos, eu comecei a fazer a coisa aos pedaços Esse metódo foi aprovado e nós, então, somos os precursores dessa ideia de fazer os filmes como se faz hoje.”
Paulo Noriega: “O senhor quer dizer os loops?”
Orlando Drummond: “Os loops. São vinte segundos… não é isso? É um loop. Então, passamos a trabalhar por hora.”
Paulo Noriega: “Então, foi o senhor que criou isso?”
Orlando Drummond: “Isso, ajudei a criar. Eu com o Milton Rangel. E foi aprovado depois e aí eu segui com a minha carreira com todos aqueles bonecos e personagens famosos.”
Paulo Noriega: “Drummond, você saberia dizer a partir de que momento começou a ter uma maior especialização? Digo, quando começou a sair do nicho dos rádio-atores e se passou a agregar mais pessoas pra dublagem?”
Orlando Drummond: “Atores de dublagem, de rádio… e depois de televisão… não é isso? Eu era muito prestigiado e já passando a diretor, eu passei a chamar gente de qualificação, aproveitando pessoas com a voz forte, pra não botar qualquer um numa imagem… tinha que ser uma voz de acordo com a imagem. Isso é feito até hoje, eu vejo que a dublagem está num nível muito bom, considerada até pelos americanos como uma das primeiras, se não, a primeira do mundo. A dublagem é, nada mais, nada menos, do que sin-cro-ni-za-ção. Então, ela existe até hoje e estou orgulhoso de ter participado e de ser um dos iniciantes desse processo… e até hoje a única casa em que mato a saudade é a Delart.”
Paulo Noriega: “Drummond, o senhor sabe se existia nos estúdios um controle de qualidade para detectar erros na tradução?”
Orlando Drummond: “Mas os erros eram corrigidos pelo diretor… não é isso? Geralmente na hora da dublagem, você tinha que mudar alguma coisa, então, tudo o que fosse para ser mudado, o diretor tinha autoridade para mudar. Às vezes, a tradução não bate direitinho, então você botava uma palavra.”
Paulo Noriega: “Então, a palavra final era do diretor? Se fosse captado algum erro depois na parte tradutória, isso voltava pro estúdio ou não, acabava no diretor mesmo?”
Orlando Drummond: “Só quando havia um enguiço de gravação é que voltava… agora por causa disso não, porque eu sempre fui muito cauteloso e as pessoas que trabalhavam comigo também eram. Naquele tempo, a coisa era mais severa, o cara tinha que ter um nomezinho para ser respeitado e chegamos até aqui.”
Paulo Noriega: “Drummond, o que você poderia dizer sobre o Telmo de Avelar, o tradutor e diretor do longa Branca de Neve e os Sete Anões?
Orlando Drummond: “O Telmo de Avelar era meu companheiro e que eu também lancei na dublagem e depois passou a diretor, já tinha gabarito para isso.”
Paulo Noriega: “Mas e quanto a parte da tradução? O senhor teve algum acesso ou opinava nas gravações nas suas falas como o Atchim…?”
Orlando Drummond: “Nunca, nunca. O que era feito por cada um era respeitado, a não ser que na mixagem houvesse algum problema e aí devolviam para refazer, para fazer o chamado “retake”. O Telmo era uma pessoa muito querida. Trabalhamos juntos no rádio… é uma pessoa muito querida, um cara gabaritado.”
Paulo Noriega: “Quando o senhor pegou pra fazer Branca de Neve e os sete anões, o senhor pegou como se fosse um filme inédito?”
Orlando Drummond: “Eu já conhecia do cinema… Branca de Neve e os sete anões… mas que eu viria a fazer um deles, é outra coisa, foi só quando chegou a hora, quando fui chamado para fazer o Atchim… e lá fiz eu.”
Paulo Noriega: “Mas o senhor se lembra, pelo menos, como é que foi que o senhor conseguiu o papel do Atchim? Houve testes de voz?”
Orlando Drummond: “Sem sombra de dúvida, principalmente em filmes assim. Sempre se faziam testes para levar ao americano, o dono da empresa, mas dificilmente se mudava qualquer coisa que fosse aprovada pelo diretor.”
Paulo Noriega: “O senhor se lembra de algum caso interessante que tenha acontecido durante as gravações? Alguma coisa que tenha ficado na sua memória ao dublar esse personagem, o Atchim?”
Orlando Drummond: “Sinceramente, não. Não tenho lembranças de alguma coisa, um acidente, alguma coisa extraordinária… não me lembro, pra mim foi tudo normal.”
Paulo Noriega: “Mas nem das músicas? Porque os anões cantam também. O senhor não lembra de ter cantado alguma coisa?”
Orlando Drummond: “Ah, me lembro! Me lembro de ter cantado, agora o que é que eu cantava, é que não me lembro.”
renansalotto
28 de maio de 2016Parabéns 🙂
pfcnoriega
28 de maio de 2016Obrigado =)
gugahalmeida
8 de abril de 2017Orlando Drummond é a própria dublagem brasileira, a versão brasileira personificada. Parabéns pelo privilégio da conversa e pela idealização da entrevista.
pfcnoriega
10 de abril de 2017Foi incrível ter esse prazer, até hoje processo a ideia de que ele foi tão solícito em me receber. 😉
José Luiz Corrêa da Silva
26 de janeiro de 2018Ele só fez o Alf, o Eteimoso porque o Henrique Meirelles ainda não tinha sido descoberto….kkkk
Parabéns pela entrevista! Sensacional.
Paulo Noriega
26 de janeiro de 2018Que bom que gostou, José! O Orlando é sensacional, um mestre mesmo da nossa dublagem: muito generoso e talentoso.
Deixe um comentário