O primeiro post do mês de dezembro vem para uma responder uma pergunta que passou a ser muito frequente nas últimas palestras e encontros com alunos universitários que tive, pergunta essa que, de vez em quando, aparece até mesmo nas rodas de amigos. Por conta disso, nada mais justo do que escrever um post para abordar a tal pergunta: afinal, o tradutor para dublagem escolhe o que vai traduzir? Quer descobrir? Então vem comigo.

Para responder essa pergunta, obviamente, só posso falar do que tenho vivenciado na minha carreira. Assim sendo, pelo que venho observado ao longo dos meus anos de atuação na tradução para dublagem, eu já poderia dizer que, em geral, a resposta é não. O tradutor não costuma escolher o que vai traduzir. Muito obrigado por ler o post até aqui e espero ver você no próximo… mentira, vamos nos aprofundar um pouco mais nessa questão, porque tem muita coisa para ser dita. 😉

É fato que o universo audiovisual nos fascina, não é verdade? Os filmes, as séries e os desenhos, por exemplo, marcam nossa vida, e é claro que, com a ascensão do mercado de tradução para dublagem e legendagem, os aspirantes a tradutor desses segmentos tendem a acreditar que, de cara, vão traduzir o próximo Game of Thrones ou a próxima animação da Disney.

Todos desejam traduzir obras de suas temáticas preferidas, produções que toquem seus corações, de alguma forma. Boas narrativas, boas histórias, projetos que darão sensação de orgulho de ter participado. É um desejo legítimo, sem dúvida, maaaaas a verdade é que começar traduzindo uma produção muito aguardada e famosa, meu caro leitor, é para poucos. Poucos mesmo.

Quem não quer traduzir a próxima série que vai dar o que falar?

O curioso é que, há algumas semanas, li um post do blog literário Ponte de Letras escrito pela tradutora Flávia Souto Maior que, ao chegar na marca de 60 livros traduzidos, ela poderia contar nos dedos os que realmente leria. Em outras palavras, dadas as proporções, são poucos os livros com que ela se identificou como leitora ao traduzi-los. Fiquei digerindo aquelas palavras e, se olho para a minha carreira hoje, em meio a documentários, reality shows, animações, séries e filmes, também constatei que não foram tantas produções que realmente me tocaram e me transformaram, digamos assim.

Não são todos os trabalhos que são memoráveis, seja por conta de prazos extremamente apertados ou por serem temáticas com as quais nós, tradutores, não estamos muito familiarizados. Ter noção disso e dos demais desafios que existem nesse segmento é extremamente importante para quem deseja atuar nele não se frustre. Já traduzi obras que me marcaram e das quais sinto um prazer imenso de ter traduzido? Sim, com certeza. Já traduzi produções de que não gostei tanto assim e que não me tocaram? Sim, com certeza. Tudo faz parte do jogo quando se traduz para dublagem. 😉

Agora é preciso citar outro fator muito importante e presente nesse segmento: a imprevisibilidade. O ramo da dublagem funciona sob demanda, ou seja, muitas vezes os estúdios nem sabem as produções que vão chegar, nem quando vão chegar. Dessa forma, assim que chega uma produção qualquer, seja uma série, um desenho ou um reality show, ela precisa ser alocada para um tradutor o mais rápido possível. Diferentemente do que possa parecer, o mundo da tradução não é um restaurante em que entramos, pegamos o cardápio e escolhemos se queremos hoje um documentário, na semana que vem um desenho e na outra uma série.

Justamente por essa imprevisibilidade e essa demanda imediata, nós, tradutores, pegamos as produções para traduzir conforme elas vão sendo passadas pelos estúdios e organizamos os prazos em nossas agendas para não decepcionarmos nossos clientes. E posso confessar uma coisa? Essa imprevisibilidade da natureza do próximo projeto é sempre muito empolgante, pelo menos para mim. Por conta dessa dinâmica, sei que minhas semanas nunca serão iguais e que sempre haverá algum projeto com potencial para me tocar, mesmo que não aparentasse a princípio. Eu fico aberto para me permitir ter gratas surpresas.

A todo instante, os dados da tradução são lançados: qual será a próxima produção que virá?

Agora gostaria de falar sobre a relação tradutor-estúdio. Afinal, se o tradutor puder vir a escolher em algum momento o que vai traduzir, o estúdio teria de consentir e dar esse direito, correto? Pela minha experiência, o que posso dizer é o seguinte: o nível de intimidade e confiança entre os tradutores e os estúdios é algo que se constrói com o tempo e que, obviamente, como cada relação é única e especial, nada impede de que haja uma abertura maior para o tradutor mostrar suas preferências e os assuntos com os quais se dá melhor e sente mais prazer ao traduzir.

Eu, por exemplo, assim como meus amigos da área, tenho sim minhas preferências e temáticas favoritas de tradução. Adoro nerdices como o universo dos super-heróis e dos videogames e assuntos relacionados à cultura pop, por exemplo. Além disso, amo mitologias em geral, principalmente a greco-romana, o que me fez adquirir um domínio adicional sobre essa temática na minha graduação. Ah, e em relação ao meu gênero audiovisual preferido, quem me conhece sabe que eu tenho uma queda muito forte por animações em geral, tanto ocidentais quanto orientais (adoro animes!).

Niko e a Espada da Luz: uma das animações mais marcantes que traduzi até hoje

Já traduzi produções que abordaram algumas dessas temáticas acima, mas posso afirmar que a maioria que traduzi até hoje foi de assuntos diversos, alguns com os quais eu não era muito familiarizado como direito, medicina, esportes e política. No entanto, essa é a vida  do tradutor, não é verdade? Ele pode não saber tudo, mas ele domina a pesquisa e o conhecimento como ninguém. É preciso ter cultura geral, investir em excelentes dicionários e glossários, estar sempre atento ao que acontece no mundo e, obviamente, ter contatos que entendam das mais diversas áreas para recorrer nos momentos de aperto.

Ah, e mais uma dica, agora para os que desejam ser tradutores audiovisuais: como se espera que esse profissional traduza de tudo um pouco, procure se familiarizar com os mais diversos gêneros e o tipo de linguagem utilizada neles. Garanto que vai ajudar bastante!

Para encerrar, reitero o que disse no começo: por todos os motivos listados, é raro um tradutor para dublagem conseguir escolher o que vai traduzir, mas cada caso é um caso e, acima de tudo, cada relação profissional é uma relação única e especial construída entre o tradutor e os estúdios de dublagem. Hoje posso dizer que fui agraciado de ter alguns clientes que, com o passar do tempo, me deram essa abertura maior e que tendem a me confiar produções com os temas de que gosto, mas, ainda assim, não são todos.

No fim das contas, o que realmente importa é aprendermos com todos os trabalhos que chegam até nós e valorizar sempre a confiança que os clientes têm em nosso trabalho. 😉 Espero que tenha gostado do post de hoje e não se esqueça de deixar o seu comentário! Um grande abraço e até o próximo post!

Paulo Noriega

Sou autor do blog Traduzindo a Dublagem e tradutor atuante nas áreas de dublagem e editorial. Amo poder compartilhar meu conhecimento a respeito do universo da dublagem e da tradução para dublagem. Seja bem-vindo a este fascinante universo!

6 Comentários

José Luiz Corrêa da Silva

1 de dezembro de 2017

Como sempre bastante denso e rico em informações aos interessados em traduções de um modo geral, e especificamente para os aficcionados pela tradução voltada para a dublagem. Afinal, nem todos preferem assistir a filmes dublados e com a crescente profissionalização das traduções para os dubladores, pode ser que esse quadro mude.

    Paulo Noriega

    2 de dezembro de 2017

    Obrigado pelo prestígio de sempre, José! =)

Daniela Reis

3 de dezembro de 2017

Texto muito bom como sempre, Paulo! Eu, que finalmente estou começando a entrar de verdade nessa área fascinante, estou agora revisando e traduzindo uma série adolescente colombiana! Eu jamais veria essa série se fosse escolher, mas trabalhando com ela, estou até curtindo! Hahaha! Isso é bem legal. Já fiz também de filmes e desenhos animados que eu nunca teria escolhido assistir. Realmente não temos rotina, o que é ótimo!
Beijão e obrigada por tudo!

    Paulo Noriega

    5 de dezembro de 2017

    Oi, Danny! Fico muito feliz por você já estar, aos poucos, trilhando seu caminho nesse universo. Beijo grande e sucesso! =*

Renata Fernandes

4 de dezembro de 2017

Oi, Paulo. Obrigada por aprofundar no blog aquilo que tínhamos conversado no último barcamp: que a maior parte do trabalho não se constitui de coisas que adoramos. Mas sempre podemos aprender com elas, como você falou. Gostei muito de saber sobre mais sobre a tradução para dublagem. Certamente seu blog será minha principal referência.

    Paulo Noriega

    5 de dezembro de 2017

    Oi, Renata. Que bom te ver por aqui! =) Que bom que gosta do meu trabalho aqui no blog. Dei uma passadinha no seu também e gostei do que eu li! Continue o bom trabalho. Beijo grande e nos falamos. =)

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